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  • Foto do escritorAdnan Brentan

Você está cansado?

Chega dezembro e com ele o frenesi de "encerrar as coisas" e, junto com esta necessidade de fechar o ciclo, surge a ansiedade e a angústia pelas coisas inacabadas. Há no ar um misto de alívio e angústia. Alívio por ter cumprido mais um ano e angústia por ter perdido mais um ano. Qual o sentimento que prevalecerá sobre o outro?

A resposta é muito particular e parece que, na maioria dos casos, é a de que os dois são igualmente presentes e os dois são igualmente incontornáveis. Mais um daqueles paradoxos humanos.


Este fim de ano parece ser especialmente marcante, pois é o primeiro fim de ano mais ou menos normal depois de dois anos em que a pandemia do coronavírus desestabilizou nossas ações e relações.

Quando a pandemia começou havia, em algumas correntes de opinião, além do terror e medo da morte, a esperança de que fosse um pausa benéfica para a humanidade e para a natureza. Muita dor foi colhida, muitas concessões foram feitas, mas, ao que tudo indica, passado o terror maior, intensificado pelos meios de comunicação e pelas redes sociais, voltamos ao nosso modus operandi original. Talvez pior que o original, pois há em muitos uma grande ansiedade por recuperar o tempo (e o dinheiro) perdido. Parece que estamos mais ansiosos do que antes da pandemia. Não bastasse a ansiedade há várias sequelas psicológicas que estão ativas através de enfermidades também psicológicas. Além de ansiedade e angústia, aumentou o número de pessoas sofrendo de depressão e outras enfermidades mentais perigosas.

Não bastasse a pandemia todo o coletivo tem nos empurrado agressivamente para uma obrigatória "tomada de partido" em relação a questões políticas e sociais. Esta tomada de partido se manifesta objetivamente na tal "polarização". Polarização que não dá descanso, pois se você é um cidadão de bem (ou do bem), não basta levar uma vida digna e pacífica, precisa escolher e levantar bandeiras, precisa ser "ativista", precisa ser "militante" pelas "boas causas".

Não há descanso!


"Um fato muito interessante, quando falamos em organizações sociais, é a descoberta de que elas nunca dormem. As organizações sociais vivem, por assim dizer, num estado de insônia crônica; jamais se afastam de si mesmas, jamais se abrem para novos caminhos de vida e conhecimento. Essa insônia vigilante pode ser a causa de fatos deploráveis na medida em que, não sendo organismo, mas apenas organização, não tem capacidade de afastar-se e tirar férias de si mesma; jamais dorme, e não consegue se recuperar. Mas elas podem ser corrigidas, de tempos em tempos, apenas pelos indivíduos - que conseguem o benefício do "sono" e por isso podem reformar organizações sociais de maneira racional." Aldous Huxley


Para aqueles que estão com este misto de ansiedade, angústia e depressão mas que não admitiriam isso em voz alta segue um belo e reflexivo texto que guardo com carinho faz muitos anos:



SHABAT:

Toda sexta-feira à noite começa o shabat para a tradição judaica. Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino no sétimo dia da Criação.

Shabat entende a pausa como fundamental para a saúde de tudo que é vivo. A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue. Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente; onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, uma pausa; onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, shabat se torna uma necessidade do planeta.

A terra, Gaia, nós e nossas famílias precisamos da pausa que revigora.

Prazer, vitalidade e criatividade dependem destas pausas que estamos negligenciando. Hoje o tempo de "pausa" é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações para não nos ocuparmos. A própria palavra "entretenimento" indica o desejo de não parar.

É a busca de algo que nos distraia para que não possamos estar totalmente presentes.

Estamos cansados mesmo quando descansados. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão. O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento só pode crescer nestas condições.

Nossas cidades se parecem arquitetonicamente cada vez mais com a Disneylândia e o tipo de emoções que buscamos, também. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de um dia com gosto de vazio; um divertido que não é nem ruim nem bom. Dia pronto para ser esquecido não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo. Chegamos no novo milênio num mundo que é um grande shopping. A Internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do Ocidente e Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores atividade incessante.

A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim. Hoje não se consegue parar a não ser que seja no fim. Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa.

Os olhos não têm muito tempo para ver e recorrem à memória para recuperar o que a retina apreendera.

O futuro é tão rápido que se confunde com o presente. As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado, a noite de penumbra e o simples de uma lipo.

Nossos artistas só sabem fazer instalações dispor para funcionar. Nossos namorados querem "ficar", trocando o "ser" pelo "estar". Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI - um dia seremos nossos. Do escambo por carinho e tempo, evoluímos para a compra de carinho e tempo.

Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante.

Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca corremos tanto e deixamos tanto inacabado. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos. Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é uma interrupção. Mas isto nos parece difícil de entender. E assim o sol não pára de nascer e a semana de acabar.

O mês passa rápido - menos que o salário - mas quando se viu o ano já passou.

Shabat é pausa. O dia de não se trabalhar não é o dia de distrair literalmente, "tornar desatento". É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida.

A pergunta que se fazem às famílias no descanso "o que vamos fazer hoje?" - é marcada por ansiedade. E sonhamos com uma longevidade de 120 anos quando não sabemos o que fazer numa tarde de domingo. O tempo por não existir faz mal a quem quer controlá-lo. Quem "ganha tempo", por definição perde.

Quem "mata tempo", fere-se mortalmente. E este é o grande "radical-livre" que envelhece nossa alegria - o sonho de fazer do tempo uma mercadoria, um artigo.

Precisamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio é viver as pausas. Não há maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar.

Afinal, por que mesmo que o Criador descansou?

Talvez porque mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído. NILTON BONDER


O que isso tem a ver com a Gilgamesh e com trilhas na natureza?

Tem tudo! É sabedoria ancestral, e agora também científica, o fato de que o contato regular com a natureza é oportunidade para esta "pausa" tão indispensável para a saúde de cada ser humano. Este ser humano "descansado" e saudável é que está em melhor condição de trazer benefícios reais para sua própria vida e também mais preparado para influenciar o seu meio de forma positiva.


Eleve-se na trilha!



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