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Foto do escritorAdnan Brentan

Trilhas para criar trilhas neurais

Pela segunda vez opto por, ao invés de discorrer sobre um tema, copiar na integra um texto que me impactou bastante. Não só pela coincidência de valores e impressões do mundo, da natureza, da beleza e da contemplação, mas por trazer mais um argumento contundente a respeito da importância da experiências que podemos vivenciar na natureza e dos seus inegáveis benefícios.


Lembre-se de suas conexões com a vida (William Ury)


"O ser humano", escreveu Einstein, "é parte do todo por nós denominado 'universo', um componente limitado no tempo e no espaço. Nessas condições, percebe a si próprio, seus pensamentos e seus sentimentos como algo separado do resto, uma espécie de ilusão de óptica de sua consciência..."


Minha formação original foi em antropologia, o estudo da natureza e da cultura humanas. Conforme aprendi em meus estudos, a interconexão dos indivíduos é uma verdade antropológica. Não somos segregados de modo algum, conforme Einstein salientou, mas sim interligados numa ampla teia de seres humanos e outros seres vivos. Estamos intimamente conectados com o todo, por laços biológicos, econômicos, sociais e culturais. Reconhecemos essa verdade científica, mas, em geral, é difícil para nós apreciá-la em plenitude. Todos nos esquecemos, com muita facilidade, de nossas conexões com a vida.


Às vezes, é preciso um verdadeiro choque para vermos além da ilusão de óptica apontada por Einstein. A Dra. Jill Bolte Taylor, neuroanatomista de Harvard, sofreu aos 37 anos um acidente vascular cerebral (AVC) que incapacitou o hemisfério esquerdo de seu cérebro. "Quantos cientistas têm a oportunidade de estudar o próprio cérebro de dentro para fora?", perguntou ela, em uma aclamada palestra TED Talk. "Por quatro horas assisti a meu cérebro se deteriorar completamente em sua capacidade de processar as informações. Na manhã da hemorragia, eu não conseguia andar, falar, ler, escrever ou me lembrar da minha vida."


Ao mesmo tempo, para sua grande surpresa, Jill começou a sentir uma felicidade eufórica ao descartar o estresse e as ansiedades do cotidiano. "Imagine a sensação de estar desconectada por completo da tagarelice do cérebro", disse ela ao público da TED Talk. "Eu me senti totalmente em paz. A percepção de segregação - a ilusão de óptica - desapareceu e ela se sentiu conectada com a vida.


Jill levou oito longos anos para se recuperar do AVC. O processo foi lento e complexo, mas o desejo de transmitir aos outros o estado de felicidade e paz que ela encontrou manteve sua motivação em alta. Jill veio a compreender o que acontecera com ela em termos das funções totalmente diferentes das duas metades do cérebro.


O lado esquerdo do cérebro é responsável pela linguagem, pela lógica, pelo julgamento e pela percepção do tempo, as ferramentas de que necessitamos na vida cotidiana. "Nosso hemisfério esquerdo pensa de maneira linear, cria e compreende a linguagem, define as fronteiras de onde começamos e onde terminamos, julga o que é certo e errado, e é o mestre dos detalhes. Concentra-se em nossas diversidades e se especializa no julgamento crítico de quem considera diferente", escreve Jill. Esse foi o lado do cérebro da cientista afetado pelo AVC.


Se o lado esquerdo do cérebro é responsável pela percepção de que somos separados e diferentes dos demais, o lado direito gera o senso de conexão com a vida e com os outros, "O hemisfério direito do cérebro se concentra em nossas semelhanças, no momento presente e no panorama mais amplo de como todos estamos interligados. Por focar nossas semelhanças, o lado direito do cérebro é compassivo, expansivo, aberto e solidário", prossegue Jill.


Sem dúvida, precisamos do lado esquerdo do cérebro para navegar no mundo e para nos proteger contra os perigos da vida. Mas também necessitamos do lado direito para sentir o tipo de conexão e de satisfação que Taylor experimentou quando sofreu o AVC. A perspectiva do hemisfério direito do cérebro nos ajuda a responder à pergunta de Einstein de maneira afirmativa: a vida, em última instância, está do nosso lado.


A Dra. Jill Taylor conseguiu se conectar em plenitude com o lado direito do cérebro em consequência de uma ocorrência traumática. Depois de encontrar o caminho, passou a percorrê-lo repetidas vezes. E quanto às demais pessoas que não passaram pela mesma experiência? Como desenvolver o senso de conexão produzido pelo lado direito do cérebro e desfazer a ilusão de óptica da separação descrita por Einstein? Como nos lembrar do senso de conexão e de nossos pontos em comum com os outros para que isso se torne parte de nosso estilo de vida? Como optar conscientemente por deixar para trás a tagarelice do lado esquerdo do cérebro quando ela não nos é útil?


Jill acredita que cada um de nós pode aprender a ativar o lado direito do cérebro com mais frequência e mais facilidade. Uma das maneiras de fazer isso é participar de atividades criativas e físicas que exercitem esse hemisfério. Ela, por exemplo, gosta de praticar esqui aquático, tocar guitarra e fazer arte com vitrais. Cada um de nós tem suas preferências.


Uma de minhas atividades favoritas é o montanhismo. A vista do topo de uma montanha é de tirar o fôlego. Com o mundo inteiro montanha abaixo e o céu se assomando acima de mim, sinto como se eu estivesse mergulhando na paisagem - sou um pequeno ponto na tela do universo, uma parte inseparável do panorama mais amplo. A ilusão de óptica se dissolve por um momento e consigo vislumbrar com os olhos da mente a verdade científica de que tudo está interligado.


Estamos tão acostumados a ver o mundo através das lentes do lado esquerdo do cérebro - lógico, crítico e cheio de fronteiras - que esse panorama mais amplo, essa percepção de que tudo está interconectado, parece difícil de apreender. Trata-se, porém, de fato, da visão com que todos nascemos. Os bebês no útero e no seio materno se sentem naturalmente integrados, com pouca consciência de onde termina seu corpo e começa o da mãe. Como adultos, temos relances dessa visão abrangente - nos momentos em que nos sentimos arrebatados por sentimentos profundos de amor, admiração ou beleza. Todos desfrutamos da capacidade inata de nos conectarmos com a vida que nos cerca. Só precisamos exercitar esse dom.


Como a vida moderna, com todas as suas atividades e distrações, seus conflitos e negociações, exige muito mais do lado esquerdo, é essencial adotar uma prática cotidiana para desenvolver o lado direito. Podemos passar algum tempo por dia em nosso "topo de montanha interior" - passeando no parque, sentados em silêncio em um lugar tranquilo ou fazendo pausa para meditação ou prece. Podemos contemplar ou criar uma obra de arte, ouvir música ou tocar um instrumento. Ao nos engajar nessas atividades, escreveu Jill, estamos criando trilhas neurais de retorno ao hemisfério direito do cérebro, que se fortalece sempre que é usado.


Parte integrante do livro "Como chegar ao SIM com você mesmo"


Não querendo ser repetitivo relembro algo que escrevi faz algum tempo sobre a contemplação, inspirado em nossas experiências na natureza, e na impressão de outros mestres da literatura, da filosofia e da psicologia:

"Contemplação é conexão, conexão com a realidade-vida-amor que a tudo une. Contemplação é superar a ilusão persistente da separatividade."




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