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Foto do escritorAdnan Brentan

E quando aquele medo se tornar realidade?

"Se o individuo assumir riscos e enfrentar seu destino com dignidade, nada do que ele possa fazer o tornará pequeno; se você não assumir riscos, não há nada que possa fazer para tornar-se grande, nada." Nassim Taleb - Anti-frágil



Quando as pessoas que me acompanham via mundo virtual (redes sociais) ficam deslumbradas com as imagens que publico, na maioria das vezes idealizam sobre a vida "privilegiada" que eu tenho. Afinal eu passo boa parte dos meus dias em ambientes naturais deslumbrantes, cercado por natureza primitiva quase intocada e, como eu mesmo repito a cada atividade, este contato constante pode trazer muitos ganhos em relação a saúde física e ainda mais em relação a saúde psicológica. Pratico atividade física excelente para manutenção do corpo e experimento a contemplação que é altamente benéfica para a mente e a alma. Há muito mais ganho aí, mas, por agora, bastam estes dois benefícios mais gerais.


Uma vida "invejável", não é?

Como disse: é uma idealização... já que há várias tarefas menos agradáveis que são necessárias para que esta atividade possa render ganhos suficientes para garantir alguma segurança, conforto e dignidade para mim e minha família. Há toda parte administrativa, financeira, planejamento, novos projetos (trilhas e viagens), marketing e propaganda e vendas. Há toda habilidade necessária para percorrer as trilhas com alguma segurança, há toda a capacidade para me relacionar com os clientes antes, durante e após as aventuras. Conhecer tecnicamente as trilhas é de longe a parte básica e "fácil" da minha ocupação. Conhecer as pessoas, respeitá-las, gerar confiança, conduzi-las, motivá-las, acolhê-las (quando necessário) e provocá-las também exige um dom natural e bem mais difícil de ser transmitido. São necessários empatia, MUITA paciência e tato para garantir uma experiência completa que quase sempre será desafiadora, muitas vezes desconfortável, mas na mesma proporção também será inspiradora e enriquecedora.


Antes de ser um prestador de serviço independente eu fui um assalariado contratado por quase 31 anos. Bom emprego, ótimo salário e alguns bons benefícios também eram considerados uma forma de vida privilegiada. Mas, após 9 anos levando as duas atividades em paralelo, a vida segura e garantida nos dias úteis e a vida gratificante e arriscada no que eu chamava hobby remunerado, corri o grande risco e abri mão da segurança do salário para depender de uma profissão quase inexistente na minha região. Afinal quem pagaria para ser levado para o meio do mato, sendo obrigado a um grande esforço físico sem o conforto básico de uma cadeira para descansar, sem banheiro para as próprias necessidades, tendo que carregar a própria água e comida nas costas? Pois então... foi um grande risco!


Hoje, quase 7 anos depois, consigo ter uma vida digna para mim e para minha família e, pasme, vários outros também conseguem com este mesmo ofício antes subvalorizado.


Mas não são só os riscos financeiros que podem inquietar um "guia de trilha". Faz algum tempo que escrevi um artigo que intitulei "A vida é uma aventura ousada ou, então, não é nada." (https://www.gilgamesh.tur.br/post/a-vida-%C3%A9-uma-aventura-ousada-ou-ent%C3%A3o-n%C3%A3o-%C3%A9-nada) e dele resgato uma reflexão:


"(na maioria das trilhas) Há muitas oportunidades para que algo possa dar errado. Por isso sempre ronda pelas sombras da minha mente o medo mais ou menos secreto de que alguém sob meus cuidados se machuque. Mas quando me lembro da força da experiência e dos resultados humanos proporcionados por ela, volta o ânimo e a motivação para o sacrifício da minha comodidade, já que seria mais fácil guiar em locais mais seguros (ou não guiar).

Nestas atividades ajudo a "dar uma cutucada" na coragem de quem a enfrenta comigo. E aqui há um segredo não secreto da Vida e da Natureza: a evolução se dá, na maior parte, por uma mistura de esforço e aventura (enfrentar o desconhecido e o perigoso). Sem esforço e aventura não teríamos saído da "Idade da Pedra". E não só os seres humanos, tudo que é vivo só evolui por conta das dificuldades e o desenvolvimento das capacidades para superá-las. Portanto, quando coloco estas pessoas nesta situação de risco, estou a serviço da Natureza e da Vida."


Faz poucos dias este medo deixou de ser uma possibilidade para ser uma realidade e, após mais de quinze anos guiando, após mais de 800 dias guiando, uma cliente sofreu uma lesão mais séria durante a trilha. Ela, num escorregão mais ou menos inocente, fraturou a tíbia (osso da canela).


E agora Adnan, como você vai lidar com isso?

Faz muitos anos eu li a obra espetacular Portões de Fogo de Steven Pressfield e neste livro, de todos os ensinamentos valiosos, guardei de forma indelével, na minha mente, a máxima: "O verdadeiro guerreiro não é aquele capaz de realizar proezas extraordinárias, mas sim aquele capaz de realizar o ordinário nas situações extraordinárias."


E foi o que eu fiz, eu segui os protocolos básicos para socorrê-la. Busquei acalmá-la e aos demais participantes, imediatamente coloquei os meus conhecimentos básicos de primeiros socorros em ação buscando estabilizar a área da fratura improvisando uma tala com partes de bastões de caminhada e uma bandagem que estava (faz 7 anos) no meu kit de primeiros socorros (mesmo sob seus protestos devido a imensa dor). Enquanto eu realizava o procedimento pedi que outra cliente iniciasse a ligação para solicitar o socorro, pois ela, impedida de andar, precisaria de resgate profissional. Outras clientes ajudaram a medicá-la com analgésicos para tentar reduzir suas dores. Estabeleci comunicação com a muito competente equipe de resgate do GOST (Grupo de Operações de Socorro Tático) e segui suas instruções, informando a situação da acidentada, coordenadas geográficas, topografia do local do acidente. Busquei local para pouso do helicóptero em caso de necessidade (cerca de 30 metros no local do acidente). Enquanto esperávamos o socorro, busquei que ela ficasse mais ou menos confortável, e garanti que os demais ficassem seguros, mais ou menos protegidos do sol e hidratados. Um parênteses especial para falar dela que se comportou de forma valente e exemplar e dos demais que apoiaram e tiveram muita paciência. Neste interim também busquei (e encontrei) uma rota alternativa para o veículo que vinha com a equipe por terra e o mesmo conseguiu chegar, a menos de 70 metros de nós, cerca de duas horas após o acidente. A partir daí a equipe de resgate assumiu o socorro e eu conduzi os demais no retorno pela trilha e nosso retorno rodoviário para Curitiba. Ainda no caminho para Curitiba recebemos a ansiada notícia de que ela já estava recebendo atendimento no Hospital do Cajuru. Chegando em Curitiba, cerca de 1 hora e 45 minutos depois que o previsto no cronograma original, ainda pude encontrar o marido e filho da acidentada e explicar todo o ocorrido. Na manhã seguinte ela foi operada e encaminhada no mesmo dia para casa onde segue na sua recuperação que, acredito, será breve, já que ela está encarando toda a situação com muita coragem e confiança.


Como foi para mim ter que passar por isso?

Sem medo de errar ou de soar irresponsável ou arrogante: agora eu me sinto fortalecido e ainda mais preparado para guiar. Vivi de forma intensa a verdade que tanto gosto de repetir para todos os que guio e para todos que fazem parte da minha vida: Quando somos desafiados pela vida através de situações muito difíceis, através de obstáculos inevitáveis, se nestes momentos ou fases conseguimos ter tranquilidade, paciência, disciplina, presença e atitude, vamos conseguir superá-los e isso nos fortalecerá independente do desfecho positivo ou (aparentemente) negativo. Ótimo se formos vitoriosos e igualmente ótimo se formos capazes de nos aperfeiçoar quando derrotados. Neste caso não há derrota verdadeira, há sempre vitória!


"Evitar o perigo não é, a longo prazo, tão seguro quanto expor-se ao perigo. A vida é uma aventura ousada ou, então, não é nada." Helen Adams Keller (1880-1968) aos dezoito meses de idade ficou cega e surda (daquelas coisas muito difíceis de acreditar), mas isso não a impediu de se tornar célebre escritora, filósofa e conferencista.





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1 Comment


João Guilherme Rebellato
João Guilherme Rebellato
Sep 17

Que texto incrível Adnan!!!! Obrigado por compartilhar!!!

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